Monday, September 26, 2005

Memória.

Fiz ontem.
Capaz de ainda passar por uma revisão ou duas.
Vai lendo:
CÁPSULAS
“CIDADE”
A.Moraes

Painel 1;
Vista aérea de uma cidade industrial. Sim, pense no pé da serra e em suas refinarias de aço e petróleo e acrescente em algum ponto a paisagem achatada de casas e prédios baixos. Minha cidade.

RECORDATÓRIO: Ver a cidade da Serra causa uma impressão diversa de estar inserido nela.

RECORDATÓRIO: Do alto parece tão pequena e inofensiva quanto um chip de computador sobre feltro verde.

Painel 2;
A mesma paisagem plana mostrada de uma altura normal, agora, o e elemento humano aparece. Pessoas de várias cores e tamanhos se deslocam pelas ruas.

RECORDATÓRIO: Não que seja mais ameaçadora e perigosa do que qualquer cidade similar a ela.

RECORDATÓRIO: É só que adquire uma nova dimensão, ganha uma importância afetiva até então ausente.

Painel 3;
Uma família (pai, mãe, oito filhos que vão de adolescentes a um menino de colo) parada num terminal rodoviário, com bagagem de mão rodeando-a.

RECORDATÓRIO: Quando chegamos, fugindo da privação, a paisagem coberta de bruma química foi rapidamente esquecida.

RECORDATÓRIO: Sem mais embaraço, nos aceitamos mutuamente.

Painel 4;
Aqui vemos as crianças brincando numa rua de terra batida com casas de madeira e alvenaria em suas laterais e, ao fundo, em segundo plano, a mata atlântica.

RECORDATÓRIO: Uma das curiosidades a respeito da cidade são os bolsões de mata verdejante que existem, aparentemente, pra facilitar a transição dos migrantes.

Painel 5;
Meninos mais velhos subindo nas árvores que estavam em segundo plano no painel anterior e rindo dos menores que ainda não podem segui-los. As casas que apareceram antes estão agora em segundo plano.

RECORDATÓRIO: Oriundos das regiões mais diversas, nos apossamos desses santuários vicejantes e, crianças que éramos, fizemos deles nossos parques privativos...

Painel 6;
Os meninos jogam bola num campinho de terra com traves de madeira... só que as traves são irregulares por serem troncos de árvores do mangue e a mata, onipresente, cerca tudo... percebi, agora, que é a segunda história com futebol... um padrão?

RECORDATÓRIO: ...nossos ginásios e campos de futebol.

RECORDATÓRIO: Espremíamos o prazer de todas as oportunidades que o pouco dinheiro permitia.

Painel 7;
Do outro lado do bairro, no rio, os mesmos meninos dos últimos painéis nadam. Um porto feito de madeira do mangue serve como trampolim improvisado. Um menino solitário balança as pernas no ar, sentado em sua beirada.

RECORDATÓRIO: Até hoje não sei o quanto me afetou crescer num lugar assim, rural e urbano, contendo ambientes auto-excludentes, que não se coadunavam.

Painel 8;
Numa cachoeira, o menino do porto, agora adolescente, se curva sobre uma pedra regada pela torrente e observa uma flor que cresce nela.

RECORDATÓRIO: A disparidade de aço-concreto, como uma lâmina atravessando o corpo da floresta, me incomodou por um tempo.

RECORDATÓRIO: Até que vi uma coisa que mudou isso.

Painel 9;
Aqui, quase uma sobreposição do que é mostrado no painel anterior... faça-o de um jeito que no lugar da torrente de água a gente veja uma torrente de fagulhas na refinaria... substitua o menino por um operário que observa fascinado uma flor crescendo no concreto trincado... coisas assim, coisas assim.

RECORDATÓRIO: Minha memória racial, arcaica, se negava a aceitar a dualidade.

RECORDATÓRIO: Descobri, no entanto, que tudo é vida, mesmo as partes dela que me desagradavam.

RECORDATÓRIO: Mesmo o concreto e o aço.

FIM.

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