Sunday, April 17, 2005

Carro.

Vi ele se aproximando enquanto eu cruzava a rua e não senti absolutamente nada, sequer um friozinho na espinha e essas coisas corriqueiras. Só que estava mais perto, mais perto e que o párabrisa era filmado, que, talvez, em seu interior houvesse um sei-lá-o-quê, entidade desencarnada, reflexo de meu desejo tão subito e tão forte de ir embora de vez pra Pasárgada, meu desejo absoluto de deixar de lado todos os aborrecimentos e pessoas aborrecidas com quem tive contato ultimamente.

Chame de autodestruição, vontade de aniquilação ou o que quer que seja... fuga, alienação... tudo é justificável. A imersão no espírito romântico e/ou ultraromântico, a evasão na morte, tudo isso é reflexivo da peça em questão, da peça ficcional em produção, em que estou me lançando completo, inteiro, e não aos pedaços como vinha fazendo antes. Não só técnica, mas técnica, tripas e alma, tudo junto, um uníssono louco que pode vir a imitar momentos de gente de verdade, gente viva, inconseqüente e com hormônios e tesão e total ausência de padrões a serem obedecidos.

Padrões, padrões, padrões.

Besteira, besteira, besteira.

Que simetria que nada.

A vida só é simétrica por acidente e só é possível ver beleza na simetria se você tiver conhecimento prévio dela. Tanto da beleza, do que é belo, quanto da simetria, do que é simétrico. De resto, há caos, há cows. Lembro de um bando de poetas metidos a cientistas ou cientistas metidos a poetas que quiseram provar que havia padrão mesmo no caos e dá-lhe Mandelbröt neles até que outros cientistas vieram e provaram que havia erros, erros cruciais nos cálculos e... cê sabe.

A nouvelle vague francesa é mais interessante agora. O estoícismo, a força necessária pra deixar de fora a poesia, a simetria e a fantasia numa peça que foge do real e tem raízes profundas no ideal deve me ocupar bem por mais tempo do que eu pretendia originalmente, mas se escrevo, se escrevo mesmo é só com esse propósito: me manter ocupado e ter um motivo pra não me preocupar com o que há atrás de um vidro filmado de automóvel anônimo.

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